Geografia da Amizade

Geografia da Amizade

Amizade...Amor:
Uma gota suave que tomba
No cálice da vida
Para diminuir seu amargor...
Amizade é um rasto de Deus
Nas praias dos homens;
Um lampejo do eterno
Riscando as trevas do tempo.
Sem o calor humano do amigo
A vida seria um deserto.
Amigo é alguém sempre perto,
Alguém presente,
Mesmo, quando longe, geograficamente.
Amigo é uma Segunda eucaristia,
Um Deus-conosco, bem gente,
Não em fragmentos de pão,
Mas no mistério de dois corações
Permutando sintonia
Num dueto de gratidão.
Na geografia
da amizade,
Do amor,
Até hoje não descobri
Se o amigo é luz, estrela,
Ou perfume de flor.
Sei apenas, com precisão,
Que ele torna mais rica e mais bela
A vida se faz canção!

"Roque Schneider"



Quem sou eu

Salvador, Bahia, Brazil
Especialista em Turismo e Hospitalidade, Geógrafa, soteropolitana, professora.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

A mulher brasileira, exemplo para o mundo



O declínio da população brasileira ao longo dos últimos 50 anos é estudado pelos demógrafos em busca de seu segredo.
Como foi que, sem nenhum programa ou campanha oficial, o Brasil, um país de cultura católica, reduziu a taxa de natalidade de 6,3 para 1,9 - menor que a dos Estados Unidos? A reportagem de capa deste mês traz a resposta. A autora Cynthia Gorney, americana, professora na Universidade da Califórnia em Berkeley, fez diversas viagens para cá. Entrevistou especialistas, mulheres e famílias. Fatores diversos provocaram a queda de natalidade.
Mas o principal deles é a brasileira, escreve Cynthia. Foi ela quem decidiu ter menos filhos. Foi ela quem mudou o futuro do país. Por vontade própria. Com esse mesmo viés na cabeça, nosso editor sênior Ronaldo Ribeiro foi à cidade de maior proporção de mulheres no país: 54,25% dos 419,4 mil habitantes são do sexo feminino em Santos. Trouxe um retrato inovador e engraçado. Os assinantes recebem esta edição em uma sacola biodegradável. Com ela, a Editora Abril quer combater a poluição das águas. O melhor lugar para começar é em National Geographic Brasil.
A nova taxa de fecundidade no Brasil está abaixo do nível que permite a uma população substituir a si mesma. É inferior à taxa dos Estados Unidos, dois filhos por mulher. No Brasil de 191 milhões de habitantes, o maior país da América Latina, a Igreja Católica Romana predomina, o aborto é ilegal (com raras exceções) e nenhuma política oficial jamais visou ao controle da natalidade, mas ainda assim o tamanho das famílias sofreu uma queda tão drástica e insistente nas últimas cinco décadas que o gráfico da taxa de fecundidade agora mais parece um escorregador de playground.

Não são apenas as brasileiras mais ricas e com profissões especializadas que deixaram de ter prole numerosa. Muitos ainda pensam que no campo e nas favelas as mulheres continuam parindo um filho atrás do outro, o que não é verdade. Em Belo Horizonte, a quatro horas de viagem da cidadezinha sul-mineira, os pesquisadores do centro demográfico que Carvalho ajudou a fundar identificaram o mesmo declínio em todas as classes e regiões do Brasil. Durante as semanas em que conversei com mulheres brasileiras, conheci professoras, separadoras de lixo, arquitetas, jornalistas, balconistas, faxineiras, atletas profissionais, estudantes do ensino médio e mulheres que viveram como sem-teto na adolescência. Quase todas disseram que uma família brasileira moderna deve ter dois filhos, idealmente um casal. Três ainda vai, às vezes. O filho único pode já ser de bom tamanho. Certa noite, em um bairro operário na periferia de Belo Horizonte, uma garota solteira de 18 anos olha carinhosamente para seu garotinho que vem rolando um caminhão de brinquedo na nossa direção. Adora seu menino, diz ela, mas remata com uma expressão contundente que já ouvi de outras brasileiras: "A fábrica está fechada".

A marcante queda no número de filhos nas últimas décadas não é um fenômeno exclusivo do Brasil. Apesar da preocupação com o crescimento da população mundial, quase metade da humanidade vive em países nos quais as taxas de fecundidade caíram abaixo da de substituição demográfica, o nível em que um casal tem apenas o número suficiente de filhos para substituir o pai e a mãe, ou seja, dois. No resto do mundo essas taxas também vêm declinando, com a notável exceção da África subsaariana.

Para os demógrafos que investigam as causas e as implicações dessa surpreendente tendência, o Brasil, desde os anos 1960, é um dos laboratórios mais profícuos do planeta. Mesmo com seu vasto território e suas enormes diferenças regionais em geografia, raças, cultura e nível socioeconômico, o Brasil possui dados populacionais que são, por tradição, particularmente minuciosos e confiáveis. Semelhanças com o caso brasileiro têm sido encontradas em vários países, inclusive naqueles em que a maioria da população também é católica romana, mas a experiência local não é igualada em nenhuma outra.
As brasileiras com menos de 35 anos que já se submeteram à laqueadura tubária são numerosas e falam abertamente sobre sua opção. "Eu tinha 18 anos quando nasceu meu primeiro filho. Queria parar por ali, mas o segundo veio por acidente. Então tomei a decisão: agora chega!", diz uma artesã de 28 anos em Recife enquanto me mostra como se dança o forró. Tinha 26 anos por ocasião da laqueadura e, quando lhe pergunto por que escolheu um método contraceptivo irreversível ainda tão nova - e se ela e o marido um dia mudarem de ideia? -, a artesã torna a falar que já teve o filho número 2, o "acidente". Diz que a pílula anticoncepcional lhe dá náuseas e a faz engordar. E, para o caso de eu não ter registrado sua explicação, frisa: "Agora chega".

Afinal, por que dois? Por que não quatro? Por que não oito, como sua avó? Sempre ouço a mesma resposta: "Impossível! Caro demais! Muito trabalho!" E com a mesma expressão no rosto, os olhos arregalados e o esgar de espanto que agora já conheço bem: "Estamos no século 21, minha senhora. Está louca?"

Um acirrado debate sobre os múltiplos fatores da queda na taxa de fecundidade no Brasil está em curso entre os estudiosos da população, como José Alberto Carvalho. ("Não deixe que ninguém lhe diga que sabe com certeza o que causou o declínio", me avisa um demógrafo do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional em Belo Horizonte, o Cedeplar. "Nunca chegaremos a uma explicação vencedora, a mais correta.") Mas, se alguém tentasse elaborar uma fórmula para reduzir a taxa de fecundidade em um país em desenvolvimento sem intervenção do governo - sem política de filho único como na China, sem tentativas de esterilização forçada como na Índia -, eis um plano informal de seis metas inspirado nas peculiaridades do Brasil moderno:

1. Industrializar com atraso, de forma febril, causando no período de 25 anos uma realocação relâmpago da população das áreas rurais para as urbanas que os economistas antes julgavam ser possível apenas em um século. O regime militar implantado no Brasil com o golpe de março de 1964 e mantido por duas décadas de autoritarismo muitas vezes brutal forçou o país a engajar-se em um novo tipo de economia que concentrou o trabalho nas cidades, onde as habitações são apertadas, as ruas das favelas representam perigo, os bebês são vistos mais como fardos dispendiosos do que como futuros braços para a lavoura, e os empregos que as mulheres precisam ter para sustentar a família requerem sua ausência de casa por até dez horas diárias.

2. Manter sem controle a maioria dos medicamentos e a venda sem receita nas farmácias, de modo que, ao surgir a pílula anticoncepcional nos anos 1960, as mulheres de todas as classes sociais possam, com dinheiro, ter acesso a ela mesmo sem a prescrição de um médico. E fomentar nessas mulheres uma excepcional insensibilidade para com a posição da Igreja Católica sobre a contracepção artificial. (Ver item 4.)
3. Melhorar as estatísticas de mortalidade neonatal e infantil até que as famílias não se sintam mais compelidas a ter filhos adicionais por segurança, na suposição de que alguns morrerão jovens. Além disso, manter um programa nacional de previdência social de qualidade, livrando os pais da classe trabalhadora da convicção de que uma família numerosa será sua única possibilidade de sustento na velhice.

4. Distorcer os incentivos financeiros de seu sistema de saúde por uma ou duas gerações para que os médicos aprendam que podem contar com remuneração maior e horários de trabalho mais previsíveis se fizerem cesarianas em vez de esperar o momento do parto natural. Depois espalhar a notícia, de mulher para mulher, de que um médico de hospital público que já tenha iniciado uma cirurgia de cesariana talvez possa ser persuadido a adicionar discretamente uma laqueadura nas trompas, e assim assegurar um próspero mercado paralelo aprovado há décadas para esse método de contracepção permanente. O sistema brasileiro de saúde só reconheceu formalmente a esterilização feminina voluntária em 1997. Mas a primeira vez em que ouço a frase "A fábrica está fechada" ela vem de uma professora aposentada de 69 anos que se submeteu à laqueadura tubária em 1972, depois de ter seu terceiro filho. A professora tem três irmãs. E todas fizeram a mesma cirurgia. Sim, as três são católicas. Sim, a hierarquia da Igreja desaprova. Não, nenhuma delas se importa muito; são devotas, mas em certos assuntos o clero masculino talvez não tenha condições de discernir a verdadeira vontade de Deus. Enquanto a professora serve chá em xícaras de porcelana durante a nossa conversa à mesa na sala de jantar, comenta sem se preocupar: "Todo mundo fazia isso".

5. Introduzir ao mesmo tempo eletricidade e televisão em boa parte do interior do país para revolucionar duplamente o modo de vida familiar tradicional, depois inundar as transmissões com uma imagem singular, vívida e invejável da família brasileira moderna: abastada, de pele clara e pequena. Os estudiosos procuram descobrir se o encolhimento da família pode ter sido influenciado pelas novelas brasileiras, levadas ao ar durante meses a fio como uma série interminável de folhetins eróticos. Um estudo concluiu que a disseminação da televisão ocorreu mais rápido que o acesso à educação - que melhorou muito no Brasil, porém a um ritmo mais lento. Nos anos 1980 e 90 todo o Brasil era dominado pela Rede Globo, cujas novelas no horário nobre - antes às 8 da noite, agora às 9 - tornaram-se assunto frequente nas conversas; mesmo hoje, na era das transmissões por satélite de um sem-número de canais, vemos os televisores das lanchonetes sintonizados na novela global do momento.

Quando estive no Brasil, o sucesso da vez era Passione, a turbulenta história dos Gouveia, uma família de industriais atormentados por segredos - uma gente bonita e rica cercada de objetos de desejo: motos, candelabros, bicicletas de corrida, passagens de avião, sapatos franceses. A viúva Gouveia, mulher decidida e admirável, teve três filhos. Bem, na verdade quatro, mas um ficou incógnito, pois foi concebido em um caso extraconjugal e mandado para a Itália ainda bebê porque Ah, não interessa. O importante é que não havia muitos Gouveia nem famílias numerosas em todo o resto do enredo mirabolante.

"Uma ocasião, perguntamos se a Rede Globo estava deliberadamente tentando introduzir o planejamento familiar", conta Elza Berquó, veterana demógrafa brasileira que contribuiu para o estudo dos efeitos das novelas. "Sabe qual foi a resposta? 'Não. O fato é que é muito mais fácil escrever novelas sobre famílias pequenas'."

E finalmente o item 6. Garanta que todas as mulheres do país sejam brasileiras.

Brasil e mulheres, eis um território volátil. O termo "machismo" tem no português brasileiro o mesmo significado que no resto do continente, falante do espanhol, e está associado a altos níveis de violência doméstica e outras agressões físicas a mulheres no país. Mas o Brasil foi profundamente alterado pelo movimento feminista nos anos 1970 e 80, e hoje nenhum cidadão do continente americano pode chamar o Brasil de retrógrado em matéria de igualdade de gêneros. Quando Dilma Rousseff concorreu à Presidência em 2010, os debates nacionais mais acalorados foram sobre suas ideias e filiações políticas, e não sobre se o país estava preparado para ter a primeira mulher na Presidência. Aliás, entre os mais fortes concorrentes de Dilma estava uma senadora, Marina Silva, que já desponta como provável candidata em futuras eleições.
O Brasil tem mulheres na alta oficialidade das Forças Armadas, delegacias especiais para mulheres chefiadas por mulheres e a mais famosa jogadora de futebol no mundo (a incomparável artilheira Marta). Uma noite, na cidade de Campinas, converso com o chileno Anibal Faúndes, um professor de obstetrícia que emigrou há décadas para o Brasil e ajudou a coordenar estudos nacionais sobre a saúde reprodutiva. Faúndes volta sempre ao tema daquela que é, em sua opinião, a principal causa da mudança na taxa de fecundidade em seu país adotivo. E simplifica as coisas. "A taxa caiu porque as mulheres decidiram que não queriam mais filhos", afirma o professor. "As mulheres brasileiras são muito fortes. Foi só uma questão de decidir e ter os meios para realizar."

O caso do Cytotec traz dados graves mas esclarecedores. Cytotec é o nome fantasia de um medicamento chamado misoprostol, desenvolvido para tratamento de úlceras, que em fins dos anos 1980 se tornou internacionalmente conhecido como a pílula do dia seguinte - parte de uma combinação de duas drogas que incluía o medicamento chamado de RU-486. Mas, antes mesmo que o resto do mundo recebesse a notícia sobre a indução de aborto por esse comprimido - que entrou nos mercados francês e chinês em 1988 em meio a grande polêmica e foi depois aprovado nos Estados Unidos para interrupção da gravidez -, as brasileiras já haviam descoberto o fato por conta própria. Nenhuma campanha publicitária explicou os usos do misoprostol; estávamos na era pré-internet, lembremos, e a lei brasileira proibia o aborto exceto em casos de estupro ou risco de vida da mulher.

Acontece que essa lei é desconsiderada em todos os níveis da sociedade. "As mulheres informavam umas às outras a dosagem", conta a demógrafa brasileira Sarah Costa, diretora da Comissão para as Mulheres Refugiadas, uma ONG com sede em Nova York. Ela escreveu sobre o fenômeno brasileiro do Cytotec para a revista médica Lancet. "Ambulantes vendiam o remédio em estações de trem. A maioria dos postos de saúde na época não tinha serviço de planejamento familiar; e, quando uma mulher tem motivos para regular sua fecundidade mas a assistência médica e as informações são precárias, ela sai perguntado a todo mundo: o que posso fazer? E assim o conhecimento se transmite."

O acesso fácil ao Cytotec não durou muito. Em 1991 o governo brasileiro impôs restrições à venda do remédio, e hoje ele só está disponível em hospitais - embora mulheres tenham me dito que ainda é possível obtê-lo pela internet. O sistema público de saúde paga pelas esterilizações e por outros métodos de controle da natalidade. Mas os abortos ilegais prosperam, em circunstâncias médicas que variam de confiáveis a assustadoras. Pode não ser 100% fácil ou seguro para as brasileiras manter sua família pequena, mas não faltam meios para fazê-lo. E em todos os aspectos, dizem mulheres de todas as idades, é isso o que elas agora esperam de si mesmas - e que o Brasil atual, por sua vez, parece esperar delas.

"Observe os apartamentos", diz Andiara Petterle, executiva de marketing de 31 anos. "Eles são projetados para quatro pessoas. Dois dormitórios. Nos supermercados, as porções de comida congelada são sempre para quatro pessoas."

Andiara fundou uma empresa especializada em pesquisas sobre o consumo das mulheres brasileiras, cujos hábitos de compra e prioridades de vida parecem ter sofrido uma guinada logo depois que ela nasceu. Só em 1977 o divórcio foi legalizado no país, comenta Andiara. "Mudamos muito depressa. Constatamos que, para muitas jovens, a prioridade agora é a educação. Em segundo lugar vem a carreira. E, em terceiro, filhos e uma relação estável."

Portanto, criar filhos não desapareceu das prioridades modernas, ressalta Andiara, apenas foi mais para o fim da lista e se tornou um interesse mais difícil de conciliar com os demais. A executiva não é mãe, mas espera ser um dia. Ouço dela o que está se tornando um refrão bem conhecido: a vida no Brasil de hoje está cara demais para se criar mais de dois filhos. O ensino público em geral é ruim, dizem as pessoas, e as famílias despendem uma parcela enorme de sua renda para dar aos filhos boa educação privada. O sistema público de saúde também é ruim, e as famílias têm despesas colossais com assistência médica particular. Roupas, livros, mochilas, celulares: as coisas são caras mas devem ser compradas a qualquer custo. E tudo aquilo de que uma jovem família precisa, gritam as vitrines aos passantes ávidos de consumo, pode ser obtido com financiamento a curto ou longo prazo.
Quer dar a seu filho aquele ursão de pelúcia, aquela boneca em uma linda caixa de presente, aquele minijipe movido a bateria? Compre em prestações, pagando juros, naturalmente. O crédito ao consumidor explodiu em todo o Brasil, chegando às famílias das classes C e D, que, duas décadas atrás, não tinham acesso a esses luxos adquiridos em parcelas. Durante a minha estada no Brasil, a revista Exame publicou uma reportagem de capa sobre a disseminação do consumismo pelas várias classes da sociedade. A jornalista paulistana que escreveu o texto, Fabiane Stefano, descreve o movimento que viu em uma agência de turismo inaugurada recentemente em um bairro da periferia. "A cada cinco minutos entrava alguém", conta ela no texto. "E 80% daquelas pessoas iam para o Nordeste visitar a família. De ônibus demora três dias, mas de avião se vai em três horas." Era a primeira vez que aqueles clientes viajariam de avião. "O funcionário tinha de explicar que eles não veriam sua bagagem durante o voo."

Seria um erro crasso supor que os brasileiros estão tendo menos filhos apenas porque desejam gastar mais com cada um. Mas é verdade que as questões aquisitivas - quanto as coisas custam hoje em dia, quanto as pessoas agora desejam - interessam e preocupam quase todas as mulheres brasileiras. Acredita-se que o menor tamanho das famílias ajuda a impulsionar a economia nos países em rápido desenvolvimento, sobretudo os cinco grandes hoje conhecidos como Brics: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Porém, crescimento econômico nacional não é garantia de bem-estar das famílias, a menos que a prosperidade seja bem administrada e investida nas gerações futuras. "Uma coisa em que tenho pensado muito é que estamos reduzindo a taxa de fecundidade no Brasil e em outros países dos Brics, mas não se vê nenhum empenho real no campo da ética", diz a executiva Andiara. "Poderia haver apenas 1 bilhão de pessoas no mundo, mas, com a mentalidade atual, consumiriam a mesma quantidade colossal de recursos."

Em meus últimos dias no Brasil, vou tomar o café da manhã com um grupo de mulheres jovens, profissionais liberais paulistanas, a uma mesa na calçada defronte a uma banca de jornais na qual se veem oito luxuosas revistas sobre criação de filhos, todas transbordando de anúncios: bebê-conforto e carrinho conversível; "analisador eletrônico" para identificar o motivo do choro do bebê; DVD player com suporte de parede que projeta imagens móveis sobre o berço. Olhamos as fotografias de moda mostrando lindas criancinhas com roupas de tricô, óculos de aviador e peles sintéticas. "Olhe só estes bebês", diz Milene Chaves, uma jornalista de 33 anos, em um tom de voz que oscila entre admiração e desespero. Ela vira a página. "E parece que também é imprescindível ter um quarto decorado. Eu não preciso de um quarto decorado como este."

Milene não tem filhos, por enquanto. "Quando eu tiver, quero simplificar as coisas", revela. As amigas à mesa concordam ainda olhando as revistas abertas: objetos atraentes, comentam, mas todos envolvidos por um tremendo excesso, uma superfluidade perturbadora. São todas habitantes da cidade mais rica do Brasil na casa dos 20 ou 30 anos e têm dois filhos, um ou nenhum. Refletem exatamente os padrões sociais que me foram descritos pelos demógrafos do país. Quando pergunto se elas gostariam de levar uma vida menos materialista, a exemplo dos mais velhos, duas gerações antes - oito, dez filhos, ninguém contratando decoradores para embonecar o quarto -, consigo identificar, no alarido que se segue, a palavra "prisioneira". Mas as respostas vêm abafadas pela gargalhada geral.

Com o vento a favor



Expansão na capacidade de geração, investimentos de fornecedores de equipamentos e redução de preço começam a tornar a energia eólica competitiva no Brasil
Numa area de 150 quilômetro de extensão, a paisagem do interior da Bahia está mudando. Entre os municípios de Guanambi, Caetité e Igaporã, no sudoeste do estado, 184 cataventos gigantes serão instalados até julho do ano que vem. Distribuídos em 14 parques eólicos, os geradores deverão suprir o consumo de energia elétrica de 1,5 milhão de pessoas — o equivalente a 10% da população baiana. A transformação na paisagem continuará nos próximos anos.
Em 2016, deverão operar ali 50 parques, com potencial de 1 100 megawatts. A capacidade total das eólicas no Brasil então alcançará o equivalente à metade da usina de Itaipu. "A qualidade dos ventos vai tornar a eólica a segunda fonte energética brasileira", diz Ricardo Delneri, sócio da Renova Energia, primeira empresa do setor a abrir o capital na Bovespa, responsável pelo investimento de 3,7 bilhões de reais na estrutura de parques da Bahia, que deverá se transformar na maior da América Latina.
O otimismo de Delneri simboliza a nova fase do setor. O aproveitamento da força dos ventos, iniciado de maneira tímida no país no final da década de 90, nos últimos dois anos começou a mostrar que fará diferença no abastecimento nacional. Ao mesmo tempo, o setor vem ganhando escala para a formação de uma cadeia de produção de equipamentos. Ao menos dez companhias, nacionais e estrangeiras, anunciaram recentemente investimentos para montar ou produzir máquinas e componentes para aerogeradores.
Até pouco tempo atrás, empresas como a Tecsis, produtora de pás para geradores em Sorocaba, no interior paulista, eram raras no país. Mas a expectative de aumento na capacidade brasileira de geração eólica levou ao aumento de jogadores nesse mercado. Hoje, multinacionais como a dinamarquesa Vestas, a americana GE, a espanhola Gamesa e a indiana Suzlon já operam no país. "Com o crescimento do mercado, optamos por produzir aqui e ter um departamento local de desenvolvimento", afirma Arthur Lavieri, presidente da Suzlon. A empresa indiana tem dois centros de estoque no Ceará e vai inaugurar até o final do ano sua fábrica no porto de Pecém. O setor também vem atraindo investimentos de empresários brasileiros.
Em março, a catarinense Weg, do ramo de motores industriais, se associou à espanhola M. Torres para fabricar e instalar aerogeradores. Na Embraer, a produção desses equipamentos está atualmente em estudo. A abundância de investimentos, que devem chegar aos 26 bilhões de reais até 2014, inverte o cenário de carência de financiamento existente até 2004. Na época, o governo federal criou um programa de incentivo às fontes alternativas de energia para estimular, entre outros, o setor de eólica. Com subsídios que incluíam dinheiro barato do BNDES, alguns parques saíram do papel. Mesmo assim, o preço da energia era uma barreira à competição. Nas primeiras negociações, os preços elevados criaram no mercado a expressão "energia de butique".
Em 2009, os incentivos terminaram. Nos últimos dois anos, já com escala razoável de produção, a redução de 62% no preço colocou a energia eólica em condição de competir com a hidrelétrica. Num leilão realizado pelo governo em 18 de agosto, a energia do vento foi negociada por valores inferiores aos da usina de Jirau. "A energia eólica mostrou que é competitiva", diz Sérgio Marques, presidente da Bioenergy, que faz a gestão de parques geradores. "O melhor é não ter nenhum subsídio." As regiões Nordeste e Sul são os polos nacionais de geração de energia eólica.
Elas concentram 98% das usinas em operação e, graças a fatores climáticos, devem continuar a ser os grandes ímãs de investimento no setor daqui para a frente. "O Brasil tem as condições ideais para desenvolver a energia eólica, principalmente no Nordeste", afirma Christopher Flavin, presidente do Worldwatch Institute, ONG dedicada ao estudo da sustentabilidade. O país pode entrar para a lista dos dez maiores geradores globais. A China é a líder com uma capacidade que equivale a três usinas de Itaipu. Pelo plano chinês, até 2015 sua produção triplicará. A ambição brasileira é menor, mas os bons ventos que sopram por aqui devem manter o catavento da energia em movimento.

A nova era da reciclagem



Se a nova lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos for, finalmente, aprovada no dia 7, no Senado, o cenário da gestão de resíduos no país sofrerá grandes transformações com base no princípio da responsabilidade compartilhada, que envolve poder público, empresas e população. Para além da limpeza, o lixo ganhará valor econômico, com efeitos sociais importantes
Logística reversa. Este é o jargão ecológico que promete fazer parte da rotina urbana quando entrar em vigor a nova lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos, prevista para ter o desfecho final no dia 7 de julho, após 21 anos de debate e ajustes no Congresso Nacional.
Mais que um modismo, o conceito que, só recentemente, passou a ser propagado, impõe responsabilidades capazes de mudar o jeito de consumidores, empresas e governos lidarem com a questão do lixo. Apesar do nome rebuscado, logística reversa tem um significado bastante simples: é o retorno de embalagens e outros materiais como matéria-prima para as indústrias após o consumo e o descarte pela população, reduzindo o despejo em aterros sanitários (Leia as reportagens sobre o tema: A dinâmica da logística reversa e Eterno Regresso
Pode ser o começo de uma convivência mais saudável com os resíduos. Será uma história com cenário diferente do habitual na maioria das cidades, nas quais sacos e garrafas plásticas boiam nos rios e entopem bueiros, pneus e entulho são abandonados em terrenos baldios e é cada vez mais duro o trabalho dos garis para limpar as ruas?

RESPONSABILIDADE COMPARTILHADA
Para além da limpeza, o lixo ganha valor econômico, com efeitos sociais. A nova lei obriga a implantação de sistemas para a recuperação industrial dos resíduos que podem ser reciclados, a começar pelas embalagens de agrotóxicos, pilhas e baterias, pneus, óleos lubrificantes, lâmpadas e produtos eletroeletrônicos e seus componentes, como computadores, telefones celulares e cartuchos de impressão. “O sucesso dependerá, também, da conscientização do consumidor”, enfatiza Kami Saidi, diretor de sustentabilidade da HP Brasil. A empresa prevê a ampliação do seu programa de reciclagem que, hoje, mantém 55 centros de coleta de equipamentos fora de uso, no país.
De acordo com o projeto de lei, o modelo brasileiro seguirá o princípio da responsabilidade compartilhada entre poder público, empresas e população. O papel das indústrias - tanto as que fabricam os produtos que precisam de um destino adequado como as que os recebem de volta após o uso - é decisivo nesse processo. Mas os termos desses compromissos serão definidos caso a caso, mediante acordos setoriais após a promulgação da lei.
“Com a legislação, a reciclagem ganha regras claras em nível nacional, podendo atrair mais investimentos e avançar no país em curto espaço de tempo”, prevê André Vilhena, diretor do Cempre - Compromisso Empresarial para Reciclagem, entidade que reúne empresas de grande porte para a promoção dessa atividade no Brasil e teve participação ativa nos debates para a Política Nacional.
O mercado da reciclagem movimenta R$12 bilhões por ano no país, de acordo com o Cempre.
Mas o potencial é muito maior, uma vez que o Brasil produz 150 mil toneladas de resíduos urbanos por dia e destina a metade para os lixões. Apenas 7% dos municípios brasileiros fazem a coleta seletiva de lixo reciclável.
A busca por soluções é um desafio complexo, porque envolve questões sociais, mudanças de comportamento, hábitos de consumo e, também, interesses econômicos - o que explica em grande parte a longa tramitação da nova lei no Congresso Nacional. “A demora não foi um tempo perdido, porque serviu para a convergência de posições”, afirma o deputado Arnaldo Jardim (PPS-SP), relator do projeto concluído na Câmara dos Deputados, com apoio e consenso de diferentes setores.

O QUE MUDA COM A NOVA LEI
Há três meses, a projeto retornou para aprovação final do Senado, onde nasceu, em 1989, voltado inicialmente para a questão do lixo hospitalar. Defendida pelo governo, a lei tem acordo de lideranças para acelerar o desfecho. Após tentativas frustradas de votação, que culminaram no dia 9 de junho no cancelamento por falta de quorum no Senado, a expectativa é o assunto voltar à pauta na próxima quarta-feira (dia 7).
Está acertada uma reunião conjunta de quatro comissões para apreciação da matéria e posterior votação em plenário, no mesmo dia. O senador César Borges (PR-BA), relator nas comissões de Justiça e Cidadania, Assuntos Sociais e Assuntos Econômicos, já apresentou quatro mudanças que não mudam a essência do projeto elaborado na Câmara dos Deputados. Ele suprimiu artigos, abrindo portas para a incineração de resíduos com fins energéticos, solução que concorre com as cooperativas de catadores no processamento do lixo. A versão original estabelecia uma hierarquia de prioridades para a reciclagem, com ênfase na redução de resíduos. A incineração só aconteceria no caso de não haver outra alternativa para reaproveitamento.
O projeto de lei também passará pelo crivo da Comissão de Meio Ambiente, tendo como relator o senador Cícero Lucena (PSDB-PB), envolvido na discussão sobre reciclagem desde quando criou a Sub-Comissão de Resíduos Sólidos. O senador informou, através de sua assessoria, que tem todo interesse em contribuir para um desfecho rápido, mas ressalvou que há necessidade de ajustes no sentido de retirar do texto os prazos estipulados às prefeituras para erradicar lixões. Atendendo ao pleito da Federação Nacional dos Municípios, Lucena concorda que, nesse ponto, a lei não poderia ser cumprida na prática pela maioria das cidades, principalmente as menores.
A lei proíbe a importação de rejeitos perigosos. Também exige dos empreendedores a apresentação de um plano de gerenciamento de resíduos para ter a licença ambiental. No entanto, apesar do consenso político, há setores que levantam críticas. A Abrelpe - Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais diz que a Política Nacional de Resíduos Sólidos é um importante avanço para o país, mas adverte que o cenário do lixo só mudará com planejamento e conscientização.
Segundo a entidade, a ênfase precisa estar na gestão integrada de diferentes soluções para os resíduos, inclusive o depósito em aterros sanitários, e na reversão da informalidade que hoje marca a reciclagem. Na opinião da Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos, o projeto de lei é genérico e precisa de ajustes, principalmente no que se refere aos resíduos industriais e à falta de estrutura dos municípios para gestão e fiscalização.
“Sem um marco regulatório nacional, as empresas permanecem expostas a políticas estaduais impositivas e inadequadas, que estabelecem taxas ou metas obrigatórias para recuperação dos materiais recicláveis”, afirma Victor Bicca, diretor de assuntos governamentais da Coca Cola, também presidente do Cempre. Ele defende o viés social na logística reversa. “Não podemos importar modelos europeus”, argumenta Bicca, lembrando que, hoje, a experiência brasileira de cooperativas de catadores é copiada por países emergentes.

O NOVO PAPEL DAS COOPERATIVAS
A nova legislação consagra formalmente o papel das cooperativas de catadores na gestão do lixo, incluindo a tarefa de fazer a coleta seletiva nas residências sem a necessidade de licitação pública. “Pela primeira vez, essa força de trabalho é tratada sem assistencialismo, mas na lógica do mercado”, analisa Bicca. No Brasil, existem cerca de 600 cooperativas formalizadas – elas são peças-chave para as empresas na logística reversa de suas embalagens. Somando os autônomos, o número de catadores se aproxima de 1 milhão.
Mas há limitações. O principal desafio é capacitar as cooperativas para a gestão, inserindo-as na cadeia produtiva.. “É preciso encontrar soluções mais eficientes, capazes de absorver quantidades cada vez maiores de resíduos para reciclagem, de maneira social e economicamente viável”, ressalta Erich Burger, diretor da Recicleiros, empresa que desenvolve sistemas de gestão para novos negócios dentro do modelo de “empresas sociais”. O foco é a sustentabilidade ambiental, social e econômica: os trabalhadores que coletam, separam e processam os materiais recicláveis são assalariados -- e não remunerados por produtividade, como na maioria das cooperativas. Burger lembra o caso de São Paulo, a maior metrópole brasileira, que recicla apenas 1% do total resíduos coletados. “Há cooperativas que já não conseguem receber todo o lixo reciclável levado pelos caminhões da coleta seletiva municipal” (Erich assina o blog Lixograma, aqui no Planeta Sustentável).
Lucien Belmonte, presidente da Associação Brasileira da Indústria do Vidro, concorda: “na cidade de São Paulo, onde são geradas 15 mil toneladas de lixo por dia, não dá para imaginar a logística reversa apenas com a participação de cooperativas”.
No país, uma ínfima parte dos materiais pós-consumo retorna às indústrias por meio de cooperativas. A maioria é recolhida nas ruas por catadores autônomos ou sucateiros. A tendência, com a lei que está para ser aprovada, é o aumento significativo dos resíduos para reciclagem. “O mercado está preparado para o maior consumo dessa matéria prima”, completa José Ricardo Roriz, presidente da Abiplast -Associação Brasileira da Indústria do Plástico. No caso do plástico, a perspectiva é dobrar esses insumos após a lei. Hoje, 20% dos plásticos separados do lixo retornam à produção.
A maior escala incentivará o desenvolvimento de tecnologia capaz de dar novos usos aos materiais reciclados, como é o caso do plástico PET. Hoje a reciclagem desse material abrange 500 empresas e movimenta R$ 1,1 bilhão por ano no Brasil. “Mas poderíamos absorver 30% mais garrafas”, afirma Auri Marçon, presidente da Abipet - Associação Brasileira da Indústria do PET. Mais da metade desse material, recuperado após o descarte pela população, substitui fibras sintéticas em tecidos, como das camisas que vestem a seleção brasileira de futebol, além de outras aplicações industriais, como peças de automóveis, cordas e resinas para tintas.
“Com a nova lei, a reciclagem deverá dobrar no país em cinco anos, aumentando em mais 500 mil o número de trabalhadores que hoje se dedicam à atividade”, prevê Fernando von Zuben, diretor de meio ambiente da Tetra Pak, empresa que hoje recicla em torno de 26% das caixas de suco, leite e outros alimentos consumidos pela população, com meta de atingir 40% em 2014.
Zuben ressalta que, segundo a legislação, a responsabilidade pela destinação do lixo será compartilhada entre três diferentes atores. O poder público será obrigado a fazer a coleta seletiva, educando consumidores, erradicando lixões e construindo aterros sanitários. Além disso, a população precisa separar os resíduos recicláveis nas residências. E as empresas, por sua vez, devem se engajar, utilizando para seus produtos embalagens mais fáceis de serem recicladas e apoiando a educação ambiental, o trabalho das cooperativas de catadores e a coleta e reutilização de materiais após o consumo pela população. “As regras específicas são definidas aos poucos, até o fim do ano, com a regulamentação da lei”, explica von Zuben, enfatizando que “essa etapa significará uma nova batalha”, na qual serão definidos instrumentos financeiros – como a acesso a crédito e impostos mais justos – para a lei sair do papel.

Do lixo ao luxo


Quando falar em reciclagem ainda era novidade, estes artistas já utilizavam materiais desprezados, como sobras de alumínio, papelão e plástico de pára-choques de automóveis. Hoje, os artesãos do lixo são reconhecidos por uma clientela que valoriza objetos produzidos sem agressões à natureza
As peças belíssimas que aparecem nesta reportagem, exibidas por seus criadores, foram fabricadas com materiais que estavam a caminho do lixo. Muito antes da maré ambientalista que hoje - felizmente - varre o planeta, esses artistas já levavam a sério a lei de Lavoisier, segundo a qual, na natureza, nada se cria e nada se perde: tudo se transforma. Desde o início da carreira, eles se propuseram a missão de resgatar das caçambas e dos latões produtos que demorariam décadas ou séculos para se decompor, criando com eles objetos de desejo.
De forma original e generosa, muitos,  utilizam a arte para mostrar as possibilidades dos recicláveis. Copos descartáveis viram luminárias, gigantescas caixas de papelão dão origem a mesas e cadeiras firmes e confortáveis e resíduos de alumínio industrial transformam-se em charmosos candelabros.
Obter resultados requintados depende de muita pesquisa, dedicação e, principalmente, criatividade. O desafio do design sustentável sempre foi tornar atraente um produto novo que pode causar estranheza. Aos poucos, porém, surge a consciência da importância de consumir produtos ambientalmente corretos para gerar um planeta saudável.
Se antes essas peças eram vistas como alternativas de baixo custo, hoje são valorizadas, associam-se ao que há de mais moderno e não raro conquistam espaço no mercado externos. O Brasil desponta como um dos países que mais reciclam no mundo, mas falta muito para ter a alta tecnologia a serviço da reciclagem.
Por isso, com raras exceções, ainda não é possível produzir peças desse tipo em larga escala. Mas quem sabe? Talvez, em breve, nossa casa venha a ser inteiramente decorada com o luxo do lixo.

Hoje em dia todos nós ouvimos falar na palavra “sustentabilidade”. Mas será que na prática ela está sendo tão usada quanto na teoria?

Para muitas pessoas a sustentabilidade ainda não é uma realidade. Por isso, separamos aqui algumas atitudes que podem chamar a atenção de todos para cuidarem do nosso planeta com todo o carinho, pensando não só na nossa geração, mas também nas gerações futuras. Confiram:

1. Sustentabilidade é palavra chave para garantir um futuro melhor, tanto para nós, quanto para os nossos filhos, netos e bisnetos. Se quisermos que isso aconteça, devemos começar desde já.

2. O excesso de consumo, acarreta na geração de mais produtos – muitas das vezes sem diferença alguma dos existentes, aumentando mais a quantidade de resíduo derivado de tal comportamento. Atitudes sustentáveis geram economia, responsabilidade social e ambiental.

3. Consumir de maneira consciente, procurando saber a procedência dos produtos, optando por marcas com Selo Verde, Linha Branca e/ ou Certificações como ISO 14001, 9001, etc.

4. Recicle. Reutilize. Reaproveite. Aplique esses R’s em tudo que puder e espalhe essa ideia.

5. Independente de ser por doação, voluntariado ou assistencialismo, ajude o próximo. Faça a diferença, mas comece agora. Poder ajudar é sempre gratificante.

6. Aproveite a luz do dia para fazer suas tarefas. Ao sair de um ambiente, apague a luz. Não deixe a geladeira aberta se não for preciso. Lembre-se: equipamentos eletrônicos ligados somente na tomada, também consomem energia.

7. Evite o uso de sacolas plásticas. Para fazer compras, utilize sua ecobag que é sustentável e ainda por cima te deixa na moda.

8. Reduza a emissão de carbono. Revise regularmente seu carro e sempre que possível opte pelo transporte coletivo.

9. Para lavar garagens e calçadas, aproveite a água utilizada no molho das roupas,por exemplo. Ao ensaboar as louças ou a escovar os dentes, feche a torneira.

10. Recicle a si mesmo. Repensem seus conceitos e atitudes. Contribuindo com o planeta, ainda que com pequenas, ações, você se sentirá muito melhor e terá a certeza de estar fazendo bem a outras pessoas.


Dia Internacional da Preservação da Camada de Ozônio



No dia 16 de setembro, comemoramos o Dia Internacional da Preservação da Camada de Ozônio. A data foi definida pela ONU (Organização das Nações Unidas), com o objetivo de celebrar os avanços contra a degradação ambiental.
No ano de 1987, aconteceu o Protocolo de Montreal. A reunião envolveu aproximadamente 46 países, que se comprometeram em reduzir a produção de clorofluorcarbono (CFC) – que é um dos grandes responsáveis pela destruição da camada de ozônio (O3). O Protocolo, que aponta quais as substâncias mais afetam a camada, ficou aberto para a entrada de novos adeptos, e entrou em vigor em janeiro de 1989.
De acordo com Kofi Annan, Diplomata da Gana e Sétimo Secretário Geral da ONU, vencedor do Prêmio Nobel da Paz em 2011, “talvez seja o mais bem sucedido acordo internacional de todos os tempos”.
O gás clorofuorcarbono liberado em excesso, acarreta em perfurações na camada de ozônio, permitindo que os raios ultravioleta atinjam a Terra.
Precisamos ter consciência de que poluindo o ambiente, nós só prejudicamos a nossa vida e a vida das gerações futuras.

Algumas atitudes podem contribuir para a preservação dos recursos naturais:

- Economizar energia;
- Adquirir produtos eletrônicos e eletrodomésticos que tragam a inscrição clean, indicação de que não contém clorofluorcarbono (CFC);
- Trocar, se possível, eletrodomésticos muito antigos, pois consomem mais energia elétrica;
- Diminuir o uso de ares-condicionados, utilizando-os somente em casos extremos;
- Não lavar roupas com água quente, pois o consumo de energia é maior;
- Evitar andar de carro particular, mas utilizando-se dos transportes coletivos, bicicleta ou mesmo andando a pé;
- Separar o lixo reciclável do orgânico;
- Juntar o óleo velho, de cozinha, e entregá-lo em postos de coleta, bem como baterias de celulares e outros eletroeletrônicos;
- Usar protetor solar, a fim de não causar problemas em sua própria pele;
- Não se expor ao sol e fazer uso de óculos escuros de qualidade;
- Fazer campanhas de preservação ambiental no seu grupo de contato, diário.

Por isso, a dica para comemorar a data é: Preservar, preservar e preservar!


sábado, 24 de setembro de 2011

Amazônia para sempre


Para voltar ao centro do palco no Oriente Médio, a Síria tenta superar um passado obscurantista.



Há um trecho em O Poderoso Chefão no qual o jovem Michael Corleone, que está fora do país, percebe que, com a morte súbita e violenta de seu irmão mais velho, agora ele está destinado - condenado seria melhor - a assumir o império mafioso construído pelo pai, já decrépito. "Avise meu pai para que mande me buscar", diz Michael, resignado ao papel que terá de cumprir, a seu anfitrião. "Diga a meu pai que quero ser seu herdeiro."

Se na vida de Bashar al Assad, o atual presidente da Síria, houve um momento assim, ele ocorreu pouco depois das 7 da manhã de 21 de janeiro de 1994, quando o telefone tocou no apartamento que alugava em Londres. Alto e estudioso, o oftalmologista Bashar, então com 28 anos, realizava sua residência no Western Eye Hospital, na capital britânica. Ao atender a ligação, soube que seu irmão mais velho, Basil, dirigindo em alta velocidade a caminho do aeroporto de Damasco em meio a densa neblina, se chocara com seu Mercedes em uma rotatória. Basil, um personagem carismático que vinha sendo preparado para suceder o pai, morreu na hora. E agora ele, Bashar, era convocado de volta a seu país.

Seis anos depois, em junho de 2000, chegou a hora final do pai, Hafez al Assad, que morreu de insuficiência cardíaca aos 69 anos. Logo após o funeral, Bashar entrou no gabinete paterno pela segunda vez em toda sua vida. Ele se lembra com nitidez da primeira vez que estivera lá, excitado para contar ao pai sobre sua primeira lição de francês. Bashar recorda-se de ter visto um frasco de colônia no armário ao lado da escrivaninha do pai. Ele ficou espantando de ainda ver o frasco ali 27 anos depois, intocado. Esse detalhe, a colônia rançosa, diz muito a respeito do regime fechado da Síria, uma ditadura à moda antiga que Bashar se sentia pouco preparado para liderar.

"Meu pai jamais me falou de política", me revela Bashar. "Mesmo depois que voltei para casa, em 1994, tudo o que aprendi sobre sua maneira de governar foi pela leitura das anotações que ele fazia durante as reuniões ou por conversas com seus colaboradores." Uma dessas lições era a de que o governo de um país como a Síria requer certo acomodamento com a ambiguidade. Entusiásta da fotografia, Bashar usa como comparação uma foto em preto-e-branco. "Nunca há preto absoluto ou branco absoluto, algo completamente ruim ou completamente bom", diz ele. "Só várias tonalidades de cinza."

A Síria é uma terra antiga, moldada ao longo de milênios pelo comércio e pelas migrações humanas. Mas, se toda a nação é como uma foto em preto-e-branco com incontáveis tons cinzentos, então a Síria, apesar de toda sua antiguidade, é na verdade uma imagem que vem sendo lentamente revelada diante de nossos olhos. É o tipo de lugar em que podemos ouvir, em um café de Damasco, um contador de histórias de 75 anos evocar as Cruzadas e o Império Otomano como se fossem lembranças de infância enquanto brande sua espada com tanta dramaticidade que os ouvintes recuam para se proteger. Em seguida, podemos caminhar na vizinhança até a magnífica mesquita omíada, erguida em 715, e nos misturarmos aos meninos que jogam futebol na entrada, sem prestar atenção à multidão de peregrinos iranianos que lá acorrem para as orações de fim da tarde. Também é um lugar no qual é possível jantar com amigos em um café elegante e, depois, enquanto se espera pelo ônibus noturno, ouvir gritos arrepiantes vindos de uma janela no segundo andar da delegacia de polícia de Bab Touma. No ponto do ônibus, os sírios trocam olhares de quem sabe muito bem o que está acontecendo, mas ninguém diz nada.

O regime dos Assad não se mantém no poder há quase 40 anos com medidas tolerantes. Ele conseguiu sobreviver em uma região violenta graças a uma combinação de astúcia política e aproximação interesseira com nações mais poderosas - primeiro a União Soviética e agora o Irã. Em estado de guerra com Israel desde 1948, a Síria fornece material aos grupos fundamentalistas islâmicos Hezbollah e Hamas e está empenhada em retomar as colinas de Golã, capturadas por Israel em 1967. As relações com os Estados Unidos, raramente boas, se tornaram ainda mais difíceis após a invasão do Iraque em 2003, quando George W. Bush, citando a oposição à guerra e o apoio aos rebeldes iraquianos, ameaçou derrubar o regime em Damasco e estigmatizou o jovem presidente como um príncipe das trevas árabe.

Este é um bom momento para avaliar a situação do país, agora que a Síria parece prestes a retomar um papel crucial nas questões regionais. Em um famoso comentário, Henry Kissinger afirmou que ali não é possível travar nenhuma guerra sem o Egito nem obter a paz sem a Síria - e provavelmente ele tinha razão. Para o bem ou para o mal, o caminho para a paz no Oriente Médio passa por Damasco.

No lado de fora do antigo mercado Hamadiya, em Damasco, antes havia uma foto de Hafez al Assad tão alta quanto um prédio de três andares. A cabeça do presidente espiava de cima a congestionada capital de 4 milhões de habitantes. Inspirada nos cultos totalitários do império soviético, essa iconografia do Grande Irmão sempre conferiu à Síria a aparência de uma nação preservada em âmbar, remanescente de uma época na qual os ditadores eram de fato ditadores, como Stalin e Mao. E foi esse país que, ao morrer, Hafez deixou para o filho.
Hoje, no lugar da foto imensa, vê-se um grande outdoor branco com uma imagem do primeiro presidente sírio pós-moderno. Bashar está acenando com um sorriso animado no rosto. "Eu acredito na Síria", diz uma frase. Mas será preciso mais que um sorriso e um slogan para reinventar o país. "O que a Síria precisa agora, me diz Bashar, é de uma mudança de mentalidade."

O vilarejo natal da família Assad, Al Qardahah, está situado em uma encosta, resguardada como são as cidadezinhas montanhosas, mas tão próxima do Mediterrâneo que dá para distinguir os barcos de pesca em Latakia, maior porto da Síria. Uma estrada sobe da costa, levando os peregrinos ao vilarejo, onde as ruas são pavimentadas, as casas, imponentes, e os altos funcionários do regime - homens corpulentos na faixa dos 50 ou 60 anos com jeito de mafiosos em férias - passeiam de pijama pelas calçadas.

Centenas de anos atrás, Al Qardahah era um enclave de xiitas pobres que veneravam Ali, o genro e sucessor de Maomé, com tal fervor que foram declarados heréticos por outros muçulmanos e forçados a viver nas montanhas do noroeste da Síria, onde ficaram conhecidos como alauís. Então, em 1939, um deles - um brilhante menino de 9 anos chamado Hafez - foi enviado para estudar fora. Ele foi para Latakia, onde frequentou escolas mantidas pelos franceses que tomaram a região do Império Otomano após a Primeira Guerra, na partilha da Síria histórica (que incluía os territórios atuais de Israel, Palestina, Jordânia, Líbano, oeste do Iraque e sul da Turquia) feita pela Grã-Bretanha e pela França nos termos do Acordo Sykes-Picot, de 1916.

Quieto e alto para sua idade, Hafez era consumido pela ambição de ser bem-sucedido e chegar ao poder. Após a independência da França em 1946, ele passou a integrar o Partido Baath, um movimento nacionalista árabe de cunho secular que assumiria o controle do país em 1963. Hafez fez carreira militar e acabou nomeado ministro da Defesa. Em 1970, articulou um golpe de Estado com a ajuda de um grupo de oficiais, muitos também alauís. Desde então, os seguidores dessa minúscula seita xiita conseguiram se manter no comando dessa nação complexa com 20 milhões de habitantes, 76% dos quais sunitas.

Hafez al Assad sobreviveu graças a sua rara capacidade de manipular eventos geopolíticos, jogando com tal inteligência as cartas fracas que tinha na mão que Bill Clinton o considerou o líder do Oriente Médio mais astucioso que conhecera. Hafez revelou-se um mestre em manter sob controle as explosivas diferenças religiosas no país, estabelecendo um regime laico. Desestimulou a menção ao termo "alauí" em público e alterou o nome de sua região natal para "montes Ocidentais". E empenhou-se ao máximo em proteger outras minorias religiosas - cristãos, ismaelianos, drusos -, pois dependia delas para contrabalançar a preponderância sunita.

Hafez era inclemente com seus inimigos, sobretudo com a Irmandade Muçulmana Síria, um movimento fundamentalista sunita ansioso para afastar do poder os alauís apóstatas e instalar no país um Estado islâmico. Quando, no fim da década de 1970, a Irmandade promoveu uma série de atentados, Hafez ordenou que aviões da Força Aérea bombardeassem áreas densamente povoadas em Hama, reduto dos militantes. Entre 10 mil e 40 mil pessoas morreram, e milhares foram detidas, torturadas e abandonadas em prisões. O regime logo em seguida lançou sua polícia contra todos os opositores políticos.

Quando Hafez al Assad morreu, em 2000, seu corpo foi levado de volta a Al Qardahah e sepultado ao lado de seu primogênito, Basil, cujas façanhas ousadas o distinguiam do estudioso irmão mais novo. "Bashar é tão amistoso que é fácil subestimá-lo", comenta Ryan Crocker, que era embaixador dos Estados Unidos no período em que Bashar assumiu o governo. "Mas não há como negar: ele é bem parecido com o pai."

Um rapaz vestindo uma jaqueta preta de couro sintético desenha em minha caderneta, lançando um barco a vela em um mar revolto com traços cuidadosos de caneta azul. Estamos em um café com vista para as colinas do norte da Síria, seguindo as sombras de nuvens que se movem sobre uma paisagem de terra vermelha e oliveiras de um verde prateado. Liberdade, comenta o jovem. É disso que precisamos.

"Não falo de liberdade política", diz ele olhando para se assegurar de que não há por perto nenhum mukhabarat, ou policial disfarçado. "E sim da liberdade para fazer coisas", segue o rapaz, "sem ser sufocado por questões burocráticas. Na Síria, para gente como eu, não há nenhum incentivo para se tentar algo novo. Jamais se consegue aprovação do governo. Aqui tudo se resume a quem você é, a qual clã ou vilarejo pertence e ao tanto de vitamina Uau que tem no bolso."
"Vitamina Uau?", pergunto. "Wasta!", replica ele rindo. Dinheiro! Suborno! "Para onde vai o barquinho?", pergunto apontando o desenho. "A lugar nenhum", diz. "Não tenho vitamina Uau!"

Logo depois de voltar de Londres, Bashar concluiu que a Síria sofria de overdose de vitamina Uau. Ao assumir o governo em 2000, ele lançou uma campanha anticorrupção, afastando ministros e altos funcionários. Colocou em liberdade centenas de prisioneiros políticos e amenizou as restrições aos dissidentes - uma assim chamada Primavera de Damasco que logo se espalhou, desde a sala das residências até uma crescente subcultura de cafés com acesso à internet. O próprio Bashar tornou possível esta última tendência, junto de tecnocratas com ideias similares, a fim de difundir o uso de computadores mesmo antes de virar presidente. Vencendo as objeções da poderosa comunidade militar, Bashar conseguiu, em 1998, convencer o pai a conectar o país à rede mundial de computadores.

Ele também tomou medidas para reativar a economia. "Quarenta anos de socialismo - isso é o que temos de superar", comenta Abdallah Dardari, de 46 anos, economista formado em Londres e vice-primeiro-ministro para assuntos econômicos. Bashar recrutou no exterior os melhores e mais brilhantes expatriados. Essa nova equipe privatizou o sistema bancário, formou parques industriais isentos de impostos e criou em Damasco uma bolsa de valores de modo a estimular os investimentos internos e externos.

"Minha missão é melhorar a vida dos sírios", comenta Bashar. Nesse ímpeto modernizador, o maior aliado é sua mulher, Asma al-Akhras. Elegante, formada em administração no Ocidente, ela encarregou-se de vários programas voltados para a melhoria das condições educacionais e econômicas da população. Filha de um proeminente cardiologista sírio, Asma nasceu e foi criada em Londres. Ela e Bashar têm três filhos, com os quais costumam fazer piqueniques nas colinas em torno da capital - em acentuado contraste com Hafez al Assad, que raramente era visto em público. "Só dá para saber do que as pessoas precisam tendo contato com elas, diz Bashar. Nós nos recusamos a viver em uma bolha. Acho que é por isso que o povo confia em nós."

Por 4 mil anos, a cidade de Aleppo, no norte da Síria, é passagem de rotas comerciais do Crescente Fértil, ligando a Mesopotâmia ao Mediterrâneo. Guardada por uma cidadela no topo de um morro, os 365 hectares do centro antigo de Aleppo estão intactos desde a Idade Média. Hoje, quando adentramos seu suq coberto, o maior mercado público do mundo árabe, é como se transpuséssemos um portal de pedra para o século 15 - uma mistura medieval de merceeiros, mercadores de ouro, carroças, artesãos, mendigos, pregoeiros de todo tipo movendo-se em um imenso desfile colorido e barulhento de sinetas de cabra e pés calçados com sandálias. Se as autoridades municipais tivessem conseguido o que queriam, isso seria coisa do passado.

Na década de 1950, os urbanistas de Aleppo projetaram a modernização da cidade, que previa a passagem pelo centro antigo de amplas ruas de estilo ocidental. Em 1977, porém, os moradores, liderados pelo arquiteto Adli Qudsi, que também vivia na área, se organizaram contra e convenceram as autoridades a alterá-lo. Hoje o centro antigo está preservado. Antes uma relíquia em ruínas, a velha Aleppo é citada por Bashar como um exemplo da mentalidade que promove, um modelo de como é possível reaproveitar o passado da Síria para que possa apontar o futuro.

"Levando em conta que há milênios a Síria é uma nação mercantil, o que procuramos fazer é recuperar as raízes empresariais do país", comenta Abdallah Dardari. "Mas não vai ser fácil: um quarto da força de trabalho ainda vive de salários pagos pelo governo. Herdamos uma economia baseada em privilégios e recursos oficiais."

Ao permitir investimentos privados em setores estatais, Bashar espera modernizar suas operações e administrá-las com mais eficiência. Nesse processo, muita gente já ficou desempregada e houve uma escalada dos preços. Todavia, são tantos trabalhadores que dependem dos salários públicos no setor de algodão que ele continua quase todo sob a tutela do Estado.

A Síria herdada por Bashar exibe sinais tão antiquados que seria melhor começar do zero. Criado pelo Partido Baath nos anos 1960, o sistema de estatais e empregos públicos melhorou o padrão de vida e levou educação e assistência médica às áreas rurais, mas lembra o falido socialismo do Leste Europeu. E a burocracia síria é ainda mais antiga, com base na administração do Império Otomano e no domínio francês.
A reforma educacional está nos planos de Bashar, e é urgente. As crianças aprendem memorizando manuais velhos, e são avaliadas, mesmo em nível universitário, pela quantidade de fatos que sabem de cor. "Minha filha de 11 anos está muito confusa", conta Dardari. "Em casa ela ouve falar nos mercados e como funciona o mundo, e aí, quando vai à escola, lê manuais de 1970 que pregam o marxismo e o triunfo proletário."

Quando um filho assume o negócio familiar, às vezes é difícil mudar o modo como as coisas sempre foram feitas. E, mesmo que o filho mais velho, Basil, fosse mais afinado com o pai, Bashar acabou seguindo os passos de Hafez. Quando estava há um ano na Presidência, aviões foram lançados contra o World Trade Center, em Nova York, e, de repente, parecia cada vez maior a ameaça aos regimes laicos, como a Síria, por parte da Al Qaeda e da Irmandade Muçulmana. A invasão americana no Iraque inflamou os fundamentalistas sírios, ao mesmo tempo que o país recebeu 1,4 milhão de refugiados iraquianos. Alguns acreditam que Bashar, em tática similar a de seu pai, desviou a fúria contra seu governo de modo que se voltasse contra os americanos, permitindo que os jihadistas usassem a Síria como área de reagrupamento e passagem.

Mesmo antes do 11 de Setembro, Bashar começou a recuar nas reformas políticas e na liberdade de expressão. Sua iniciativa anticorrupção estagnou, solapada por negócios escusos de membros da própria família. Investigações sobre o assassinato em Beirute do ex-primeiro-ministro libanês Rafiq Hariri, em 2005, apontaram para uma conexão síria. Pouco depois Bashar ordenou a detenção de prisioneiros políticos a quem colocara em liberdade anos antes. E, em 2008, em uma reviravolta irônica para um entusiasta da informática que levou a internet à Síria, Bashar bloqueou o acesso a uma enorme quantidade de sites. Em tudo isso, alguns veem Bashar como vítima de elementos reacionários de seu governo. Outros, no entanto, o consideram mais como um jovem chefão exercitando seus músculos.

O mesmo Bashar responsabiliza a invasão do Iraque por ter empurrado toda a região para uma situação difícil e perigosa, e defende as duras medidas de segurança interna como vitais na luta pela sobrevivência. "Estamos em estado de guerra com Israel", diz. "Temos problemas com a Irmandade Muçulmana desde 1950. Mas agora há um perigo bem maior. A Al Qaeda é um estado de espírito. É muito difícil de ser detectada. Precisamos reforçar a segurança interna."

Os membros da oposição, quase todos na clandestinidade ou na prisão, não se convencem com tal argumentação, brandida há 30 anos para sufocar qualquer discordância. Embora reconheçam que a repressão não é tão violenta quanto a anterior, os ativistas com quem conversei consideram superficiais as diferenças entre o regime de Bashar e o de seu pai. "Bashar parece razoável, mas o governo é mais que uma pessoa", comenta um jovem militante de direitos humanos com quem me encontro em um apartamento abarrotado de livros na periferia da capital. "Viver aqui é viver com medo", prossegue o rapaz de olheiras marcadas fumando um cigarro. "Você tem a impressão de estar sendo observado. Aí olha em torno e não vê ninguém. Então pensa: 'Eu não deveria sentir isso, mas estou. Devo estar enlouquecendo'. E é isso o que eles querem."

Seja qual for o propósito, a sombra do medo, a nuvem que bloqueia o sol, está por toda parte. A fim de proteger as pessoas com quem conversei, muitas não foram identificadas, pois eu temia pela prisão delas uma vez publicado este artigo. Um professor universitário que conheci em Aleppo foi submetido a um interrogatório brutal após ter participado de um colóquio em que estiveram cientistas israelenses. Os interrogadores o deixaram partir com a ameaça de que, se divulgasse o ocorrido, seu caso seria reaberto.

Certa manhã, em Damasco, estou em um parque com um grupo de trabalhadores ocasionais, com idades em torno dos 20 anos, todos à procura de serviço. A maioria é da região de Dara, no sul do país, e debatemos os prós e os contras daquela cidade. Para eles, é um lugar horrível, seco e sujo. Eu a defendo. Enquanto discutimos em tom de brincadeira, um homem de meia-idade se aproxima e nos ouve. Quando notam a presença dele, a conversa acaba.

"Dara é uma grande cidade", diz o recém-chegado. Os outros começam a se afastar. Para ver qual seria a reação dele, conto que tenho uma entrevista com o presidente e pergunto se gostaria que eu lhe transmitisse alguma mensagem. Ele rabisca algo em um bloco, e imagino que seja sobre mim. Mas o homem diz: "Por favor, entregue isto ao presidente". No papel está rabiscado seu nome e telefone e uma mensagem em árabe precário: "Saudações, respeitável Dr. Presidente Bashar. Este bilhete é de um jovem sírio, de Al Hasakah, que precisa muito de um emprego no funcionalismo público. Muito obrigado".